quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

UM VALIOSO CONSELHO*

(*PALESTRA REALIZADA POR NIZAN GUANAES, COMO PARANINFO NA FORMATURA DA ESPM, DE SÃO PAULO, EM DEZEMBRO DE 2007)

SUCESSO

Dizem que conselho só se dá a quem pede. E, se vocês me convidaram para paraninfo, estou tentado a acreditar que tenho sua licença para dar alguns.
Portanto, apesar da minha pouca autoridade para dar conselhos a quem quer que seja, aqui vão alguns, que julgo valiosos.
Não paute sua vida, nem sua carreira, pelo dinheiro.
Ame seu ofício com todo o coração. Persiga fazer o melhor.
Seja fascinado pelo realizar, que o dinheiro virá como conseqüência.
Quem pensa só em dinheiro não consegue sequer ser nem um grande bandido, nem um grande canalha.
Napoleão não invadiu a Europa por dinheiro.
Hitler não matou 6 milhões de judeus por dinheiro.
Michelangelo não passou 16 anos pintando a Capela Sistina por dinheiro.
E, geralmente, os que só pensam nele não o ganham. Porque são incapazes de sonhar.
E tudo que fica pronto na vida foi construído antes, na alma.
A propósito disso, lembro-me de uma passagem extraordinária, que descreve o diálogo entre uma freira americana cuidando de leprosos no Pacífico e um milionário texano. O milionário, vendo-a tratar daqueles leprosos, disse:
"Freira, eu não faria isso por dinheiro nenhum no mundo".
E ela responde:
"Eu também não, meu filho".
Não estou fazendo com isso nenhuma apologia à pobreza, muito pelo contrário. Digo apenas que pensar e realizar tem trazido mais fortuna do que pensar em fortuna.

Meu segundo conselho:
Pense no seu País.
Porque, principalmente hoje, pensar em todos é a melhor maneira de pensar em si.
Afinal é difícil viver numa nação onde a maioria morre de fome e a minoria morre de medo. O caos político gera uma queda de padrão de vida generalizada.
Os pobres vivem como bichos e uma elite brega, sem cultura e sem refinamento, não chega a viver como Homem.
Roubam, mas vivem uma vida digna de Odorico Paraguaçu.

Meu terceiro conselho vem diretamente da Bíblia:
"Seja quente ou seja frio, não seja morno que eu te vomito". É exatamente isso que está escrito na carta de Laudicéia: seja quente ou seja frio, não seja morno que eu te vomito: É preferível o erro à omissão.O fracasso, ao tédio.O escândalo, ao vazio.
Porque já vi grandes livros e filmes sobre a tristeza, a tragédia, o fracasso. Mas ninguém narra o ócio, a acomodação, o não fazer, o remanso.
Colabore com seu biógrafo. Faça, erre, tente, falhe, lute. Mas, por favor, não jogue fora, se acomodando, a extraordinária oportunidade de ter vivido.
Tendo consciência de que, cada homem foi feito para fazer história.
Que todo homem é um milagre e traz em si uma evolução.
Que é mais do que sexo ou dinheiro.
Você foi criado para construir pirâmides e versos, descobrir continentes e mundos, e, caminhar sempre com um saco de interrogações na mão e uma caixa de possibilidades na outra.
Não use Rider, não dê férias a seus pés.
Não se sente e passe a ser analista da vida alheia, espectador do mundo, comentarista do cotidiano, dessas pessoas que vivem a dizer: eu não disse!, eu sabia!
Toda família tem um tio batalhador e bem de vida.
E, durante o almoço de domingo, tem que agüentar aquele outro tio muito inteligente e fracassado contar tudo que ele faria, se fizesse alguma coisa.
Chega dos poetas não publicados. Empresários de mesa de bar.
Pessoas que fazem coisas fantásticas toda sexta de noite, todo sábado e domingo, mas que na segunda não sabem concretizar o que falam.
Porque não sabem ansiar, não sabem perder a pose, porque não sabem recomeçar.
Porque não sabem trabalhar.
Eu digo: trabalhem, trabalhem, trabalhem. De 8 às 12, de 12 às 8 e mais se for preciso. Trabalho não mata.. Ocupa o tempo. Evita o ócio, que é a morada do demônio, e constrói prodígios.
O Brasil, este país de malandros e espertos, da vantagem em tudo, tem muito que aprender com aqueles trouxas dos japoneses.
Porque aqueles trouxas japoneses que trabalham de sol a sol construíram, em menos de 50 anos, a 2ª maior megapotência do planeta, enquanto nós, os espertos, construímos uma das maiores impotências do trabalho.
Trabalhe! Muitos de seus colegas dirão que você está perdendo sua vida, porque você vai trabalhar enquanto eles veraneiam.
Porque você vai trabalhar, enquanto eles vão ao mesmo bar da semana anterior, conversar as mesmas conversas, mas o tempo, que é mesmo o senhor da razão, vai bendizer o fruto do seu esforço, e só o trabalho lhe leva a conhecer pessoas e mundos que os acomodados não conhecerão.
E isso se chama sucesso.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Brancas Nuvens

"Quem passou pela vida em brancas nuvens
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça;
Quem passou pela vida e não sofreu,
Não foi homem - foi espectro de homem;
Só passou pela vida – não viveu."

(Extraído do livro "Ilusões de Vida", Francisco Otaviano)

OBS: Dedico este post ao meu querido pai, Jackson Wanderley, que sempre o recitou durante minha infância.

Renúncia

Eu queria uma vida assim com você :
Sem relógio e sem dedo em riste;
Sem lei e sem sociedade;
Sem satisfação e sem tchau!

Eu queria uma vida assim com você,
Mas, felizmente, meu querer não é tudo,
E meu poder é limitado.
Felizmente, minha palavra se esvai
E este papel se amarela.
Felizmente, porque o bom é a espera,
A incerteza e o talvez são molas propulsoras.
Caso contrário, a alegria não teria razão
E o chegar não teria partida...

Eu queria uma vida assim com você:
Sem lenço e sem documento,
Mas o bacana é o adeus, é a volta,
É o riso depois do choro,
É o hoje sofrido e o amanhã exultante.
O bacana é o crescente, a renúncia,
A noite mal dormida, a consciência;
O bacana é a luta,
É saber que existe o perdão,
É a dúvida do “não quero”, mas quero!

Eu queria uma vida assim com você,
Mas dou graças por não tê-la,
Porque só assim eu posso escrever tudo isto;
Só assim eu posso medir-me;
Posso certificar-me da limitação humana;
Só assim eu sei que nada sou,
Que vivo capengando;
Carregando o que dá
E caindo com o que não dá!
Só assim eu sei o quanto lhe quero,
O quanto posso, mas o quanto não devo! ...

(Extraído do livro Deus Negro, de Neimar de Barros, Editora Shalom Livraria, 1973)

METADE IDEAL

Amei-te porque em ti, minha impetuosidade encontrou refreio,
Porque tua doçura retemperou a intrepidez dos meus anseios,
E tua serenidade mesclou de paz meu turbilhão.

Aprendi contigo que o silêncio às vezes é de ouro,
Na tua quietude descobri mais um tesouro,
E na tua disciplina, a sábia voz de um pai ou um irmão.

Amei o encanto da tua fala, a magia do teu sorriso,
Amei o teu recato, a tua prudência e até a tua timidez.
Amei o teu jeito único,
E mil vezes eu te amaria outra vez.

Humano, também amei o invólucro que abriga teu ser.
E assim amei teu corpo, teus olhos, teu cheiro,
Amei em ti o que não morre, e o que em ti, há de perecer.

Já não questiono se tua ausência é um bem ou um mal.
Apenas submeto-me, passivo, ao traçado do meu destino
Que me aparta de ti e me priva da minha metade ideal.

(Adaptado do livro: “Palavras Para Entorpecer O Coração”, de Fátima Irene Pinto, Belo Horizonte, Editora Soler, 2004.)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

COMPLEXIDADE FEMININA (Luis Fernando Veríssimo)

M - Onde você vai?
H - Vou sair um pouco.
M - Vai de carro?
H - Sim.
M - Tem gasolina?
H - Sim... coloquei.
M - Vai demorar?
H - Não... coisa de uma hora.
M - Vai a algum lugar específico?
H - Não... só rodar por aí.
M - Não prefere ir a pé?
H - Não... vou de carro.
M - Traz um sorvete pra mim!
H - Trago... que sabor?
M - Manga.
H - Ok... na volta eu passo e compro.
M - Na volta?
H - Sim... senão derrete.
M - Passa lá, compra e deixa aqui.
H - Não... melhor não! Na volta... é rápido!
M - Ahhhhh!
H - Quando eu voltar eu tomo com você!
M - Mas você não gosta de manga!
H - Eu compro outro... de outro sabor.
M - Aí fica caro... traz de cupuaçu!
H - Eu não gosto também.
M - Traz de chocolate... nós dois gostamos.
H - Ok! Beijo... volto logo...
M - Ei!
H - O quê?
M - Chocolate não... Flocos...
H - Não gosto de flocos!
M - Então traz de manga prá mim e o que quiser prá você.
H - Foi o que sugeri desde o começo!
M - Você está sendo irônico?
H - Não... tô não! Vou indo.
M - Vem aqui me dar um beijo de despedida!
H - Querida! Eu volto logo... depois.
M - Depois não... quero agora!
H - Tá bom! (Beijo.)
M - Vai com o seu ou com o meu carro?
H - Com o meu.
M - Vai com o meu... tem cd player... o seu não!
H - Não vou ouvir música... vou espairecer...
M - Tá precisando?
H - Não sei... vou ver quando sair!
M - Demora não!
H - É rápido... (Abre a porta de casa.)
M - Ei!
H - Que foi agora?
M - Nossa!!! Que grosso! Vai embora!
H - Calma... estou tentando sair e não consigo!
M - Porque quer ir sozinho? Vai encontrar alguém?
H - O que quer dizer?
M - Nada... nada não!
H - Vem cá... acha que estou te traindo?
M - Não... claro que não... mas sabe como é?
H - Como é o quê?
M - Homens!
H - Generalizando ou falando de mim?
M - Generalizando.
H - Então não é meu caso... sabe que eu não faria isso!
M - Tá bom... então vai.
H - Vou.
M - Ei!
H - Que foi, cacete?
M - Leva o celular, estúpido!
H - Prá quê? Prá você ficar me ligando?
M - Não... caso aconteça algo, estará com celular.
H - Não... pode deixar...
M - Olha... desculpa pela desconfiança... estou com saudade... só isso!
H - Ok, meu amor... Desculpe-me se fui grosso, tá? eu te amo!
M - Eu também!
M - Posso futricar no seu celular?
H - Pra quê?
M - Sei lá! Joguinho!
H - Você quer meu celular pra jogar?
M - É. H - Tem certeza?
M - Sim.
H - Liga o computador... lá tem um monte de joguinhos!
M - Não sei mexer naquela lata velha!
H - Lata velha? Comprei pra a gente mês passado!
M - Tá... ok... então leva o celular senão eu vou futricar...
H - Pode mexer então... não tem nada lá mesmo...
M - É?
H - É.
M - Então onde está?
H - O quê?
M - O que deveria estar no celular mas não está...
H - Como !?
M - Nada! Esquece!
H - Tá nervosa?
M - Não... tô não...
H - Então vou!
M - Ei!
H - Que é?
M - Não quero mais sorvete não!
H - Ah, é?
M - É!
H - Então eu também não vou sair mais não!
M - Ah, é?
H - É.
M - Oba! Vai ficar comigo?
H - Não vou não... cansei... vou dormir!
M - Prefere dormir do que ficar comigo?
H - Não... vou dormir, só isso!
M - Está nervoso?
H - Claro, porra!!!
M - Por que você não vai dar uma volta para espairecer?