segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Renúncia

Eu queria uma vida assim com você :
Sem relógio e sem dedo em riste;
Sem lei e sem sociedade;
Sem satisfação e sem tchau!

Eu queria uma vida assim com você,
Mas, felizmente, meu querer não é tudo,
E meu poder é limitado.
Felizmente, minha palavra se esvai
E este papel se amarela.
Felizmente, porque o bom é a espera,
A incerteza e o talvez são molas propulsoras.
Caso contrário, a alegria não teria razão
E o chegar não teria partida...

Eu queria uma vida assim com você:
Sem lenço e sem documento,
Mas o bacana é o adeus, é a volta,
É o riso depois do choro,
É o hoje sofrido e o amanhã exultante.
O bacana é o crescente, a renúncia,
A noite mal dormida, a consciência;
O bacana é a luta,
É saber que existe o perdão,
É a dúvida do “não quero”, mas quero!

Eu queria uma vida assim com você,
Mas dou graças por não tê-la,
Porque só assim eu posso escrever tudo isto;
Só assim eu posso medir-me;
Posso certificar-me da limitação humana;
Só assim eu sei que nada sou,
Que vivo capengando;
Carregando o que dá
E caindo com o que não dá!
Só assim eu sei o quanto lhe quero,
O quanto posso, mas o quanto não devo! ...

(Extraído do livro Deus Negro, de Neimar de Barros, Editora Shalom Livraria, 1973)